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Falta uma lágrima
 

A dor no fundo da alma, se é que lá chegamos ou pensamos atingir é imensa e se  repete a cada dia pior. Dói mais e mais... e dá medo. A sociedade está apavorada. Os pais sofrem com os seus filhos nas ruas quer tenham ido passear, namorar, trabalhar ou estudar. Recomendações antes da saída: voltem cedo, as madrugadas são perigosas, as festas aos sábados se transformaram no inferno. As drogas já eram uma ameaça constante, agora o banditismo, as atrocidades, a barbárie. Se um filho preocupa, a filha muito mais, diante do estupro, do abuso sexual de dois, três ensandecidos trogloditas. O seqüestro mentiroso, avisado por telefone, desestabiliza e já matou por enfarte quem o recebeu, mesmo sendo irreal.
 

Interessante comparar essa dor com a dor no corpo quando algo nos atinge fisicamente. Uma martelada no dedo, um braço quebrado, uma fratura com os ossos expostos e disformes, ainda que seja na ponta do dedo mínimo, um fio de sangue a jorrar. Dói ver, dói sentir. Com as crianças, indefesas por natureza, que exigem a presença principalmente das mães para protegê-las, a dor é imensurável. Você provavelmente já segurou um filho para que lhe fosse aplicada uma injeção, não fez? Uma picada de injeção. Ante o enfermeiro, os olhos arregalados, tementes, choro reprimido do que iria fazer aquele homem de branco. Uma dorzinha no seu filho, um choro estridente e uma profunda dor no seu interior. Já passou, você vai ficar bom. Palavras de consolo para ambos.
 

        Quanta dor tem sentido o Brasil, alcançando de perto gente de todas as classes. Uma família de posse destroçada em São Paulo por uma filha estudada que participa do assassinato dos seus pais a pauladas como se fossem cães raivosos; isto em legítima defesa diante do ataque. Não. Os pais estavam dormindo. Quanta dor devem ter sentido. Com uma paulada, acordam. Levam um susto. Gritam. Tentam reagir. Não podem. Outra e mais outra até a inércia ser comprovada. Morte, surpresa, covardia e sofrimento. Os autores vão para um motel. Não houve quem não tivesse repulsa por aquela moça e a sociedade não clamasse por penas mais severas.
 

        Bens, anéis nos dedos, diplomas, etnia e cor da pele não limpam as mentes, não excluem, não isentam e não devem absolver os malfeitores.  Um médico abusava dos jovens clientes-pacientes, ditos ministros religiosos também. Um outro médico matou e esquartejou a amante. Um jornalista matou a namorada e vive fora da cadeia, por uma lei burra e uma justiça pior.    
 

   Uma família, empresários, empregados e até uma criança, incendiados vivos em um automóvel. Ônibus em chamas com trabalhadores, gente idosa impedida de escapar, como recurso medieval nas condenações em nome da lei. Inaceitável essa inversão. Os bandidos passaram a usar o poder do Estado, sem processo, não dão direito de defesa, não estudam, não se preparam, mas matam simplesmente para marcar território, ameaçar, desafiar e acuar. O hediondo deixa de sê-lo; o criminoso sai com 1/3 da pena como todos os demais.
 

   Um jovem drogado matou a avó a facadas recentemente e declarou em entrevista que ao dar a primeira facada sentiu o sofrimento da avó e para pôr fim naquela agonia, desferiu-lhe outros cinco(?) golpes. Não parecia pobre, nem morador de favela. Mas, há ministro, governador e políticos favoráveis a uma legalização controlada com intuito de que possa diminuir a violência causada pelo tráfico de drogas. O povo sente na carne, mas vota nessa gente, que demagogicamente põe a culpa da violência na pobreza. Os adeptos do socialismo de modo geral são os que mais defendem penas mais brandas, trocando o voto pela promessa de solução da miséria, vinculando esta à violência, além claro, dos convictos. Os guetos favorecem a formação das quadrilhas, não propriamente pelas condições sociais, mas pelos aspectos fisiográficos locais, regiões elevadas propiciando melhores condições de abrigo e defesa reforçadas pelos labirintos e ruelas existentes entre as casas, decorrentes da ocupação desordenada, com estudadas rotas de fuga, além da dissimulação do bandido no meio da comunidade ordeira, que não denuncia por lealdade e conveniência ou por impotência.
 

        O próprio presidente Lula pensa assim, quando afirmou que em acontecimentos como o da morte do menor João Hélio, não se pode agir “com vingança” e permitir que a emoção prevaleça sobre a razão na hora de punir. Conclui: “Então eu fico me perguntando se seria justo punir apenas quem cometeu a barbaridade e se esquecer de fazer a punição a quem é o culpado por esses jovens terem chegado a essa situação.” Ou seja, justifica o que não quer fazer e deixa no ar uma ameaça “a quem é o culpado por esses jovens terem chegado a essa situação“. Claro que não se inclui como governo, messiânico como se julga. O “dimenor” da era Lula só tem quatro anos.
 

        Aonde vamos parar com tanta falta de discernimento? O crime bárbaro encontrar justificativa. A ação de punir com severidade não exclui a de educar e proporcionar oportunidades a todos.
 

        Falta uma lágrima na insensibilidade. Chamar de vingança é uma afronta.A preocupação com a punição ao bandido, menor ou não, a superar a dor física daquela criança sendo arrastada, que ao invés dos braços da sua mãe para abraçá-la, protegê-la como de certo o fez até da injeção que um dia tomou, tinha os grilhões da insanidade a torturá-lo. Ou  isto não é tortura? Quanta dor não sentiu? Quanto grito não deu? Quantas vezes chamou a sua mãezinha para socorrê-lo? Sem saber se a lei é boa ou má. Sem saber se era um maior delinqüente, ou menor. Se o Estado é culpado porque não deu estudo e trabalho ou se os poderes são irresponsáveis e a iniqüidade é o cetro que empunham.

        Quanto durou esse sofrimento, até a sua voz desaparecer. João Hélio é um mártir.

        O pranto dos seus pais se soma a muitos outros das avenidas e vielas, cuja voz precisa ecoar até que brote dos olhos dos responsáveis a lágrima do arrependimento pela omissão.


Ernesto Caruso, 20/02/2007


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